GDF estuda rever passe livre estudantil; alunos e especialista criticam

Para professor da UnB e especialista em políticas públicas, a alteração na gratuidade prejudicaria estudantes. Remi Castioni defende que o governo ache outros meios de arcar com esse custo

O bloqueio do passe livre estudantil na última segunda-feira (2) e o aumento no preço das passagens no transporte público do DF – que também começou a valer na última segunda-feira (2) – reaquecem as discussões sobre a gratuidade das passagens para estudantes. A situação se agravou com a lei 5770/2016 (que dá passe livre para estudantes de cursinho pré-vestibular e começou a valer na segunda-feira) de autoria do deputado distrital Israel Batista, do PV, e quando o governador Rodrigo Rollemberg se reuniu com distritais a fim de chegar a um acordo em relação ao aumento das tarifas, anunciado em 30 de dezembro de 2016. Na reunião, Rollemberg afirmou que reduziria de R$ 5 para R$ 4,50 o valor de viagens de longa distância (entre cidades do DF) e de metrô caso os deputados distritais rediscutissem a gratuidade absoluta. Uma das propostas do governador seria extinguir as passagens gratuitas para alunos da rede privada de ensino.

O debate, segundo Remi Castioni, especialista em políticas públicas e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB), gira em torno da questão “quem financia aqueles que não pagam?”. As passagens gratuitas precisam ser pagas por alguém. “Os passes podem ser pagos pelo Estado ou pela tarifa cobrada aos usários — que, nesse caso, aumentaria. O que parece é que o governador quer repassar o custo dos que não pagam para os que pagam. Mas ele poderia criar mecanismos para angariar fundos e garantir a gratuidade, sem aumentar tarifas”, sugere o economista, doutor em educação, especialista em gestão empresarial, economia do trabalho e sindicalismo.

 

Cláudio Reis/UnB Agência

 

Castioni percebe que o passe livre permite uma mobilidade grande, em que estudantes podem cursar disciplinas e cursos em câmpus e localidades diferentes — como no Centro Interescolar de Línguas (Cil) — e melhorar a própria formação. Na opinião dele, esse deve ser um benéficio para todos os alunos, do ensino público e do ensino particular. “Não dá para pensar que todos os que estudam na escola particular são ricos. Muitos são bolsistas. Por isso, esse tipo de segregação não é válido este tipo de segregação”, critica.

Outra possibilidade para diminuir os custos do Governo de Brasília com o passe livre seria impor um critério de renda para distribuir o benefício, como ocorre em São Paulo. Quanto ao critério de renda mínima, Remi Castioni garante que o custo dos processos que controlam quem terá direito ou não, de acordo com o que a família ganha, seria mais alto do que dar a gratuidade. “Acho desnecessário. O passe é uma política ampla de favorecimento. Uma alternativa para garantir recursos é aumentar o ISS (Imposto Sobre Serviço) das escolas particulares e repassar a metade do valor arrecadado ao fundo que sustentaria a gratuidade do passe livre”, propõe.

E se o passe estudantil acabasse?
O bloqueio do passe livre trouxe apreensão quanto ao futuro. Sulamita Rosa, 23 anos, tem medo de perder o benefício e não ter como bancar as viagens para a faculdade e o estágio. A estudante cursa o 10º semestre de psicologia no Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e iniciou um estágio não remunerado. “Não recebo para estagiar e, sem o passe, não sei como pagarei a passagem. O benefício, para mim, é crucial. No semestre que vem, iniciarei um estágio remunerado e vou escolher um hospital bem próximo da minha casa para não correr o risco de suspenderem o passe e não ter como ir”, conta. Sulamita morava em sobradinho e se mudou para a Asa Norte no ano passado justamente para estar mais perto da instituição de ensino.

Arquivo Pessoal

Ela divide as contas com o irmão, mas, agora, que está sem fonte de renda, tornou mais difícil se manter. “Com esse aumento repentino nas passagens, fiquei muito preocupada e vi muita gente que mora muito longe se dar mal. Estão querendo tirar o direito básico de ir e vir, de estudar. Muitos estudantes são usuários do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) ou são bolsistas e não têm condições de pagar passagem todo dia. Mesmo na rede particular, não há só ricos”, diz, aflita.

Leonardo Marçal, 21 anos, cursa biblioteconomia na Universidade de Brasília (UnB) e pedagogia na Faculdade Fortium (na Asa Sul) como bolsista. Ele ganha auxílio-moradia da UnB, com o qual se mantém no Sudoeste e usa o passe estudantil seis vezes por dia. Ele morava em Planaltina de Goiás e veio para a capital federal em 2013 a fim de começar o ensino superior na faculdade Fortium, como bolsista do Fies. Depois, conseguiu ser aprovado na UnB e afirma que só consegue estar nos dois cursos pelo benefício estudantil.

 

Arquivo Pessoal

“Eu vim pra Brasília porque, na minha cidade, na época, não tinha faculdade presencial nem pública”, conta. “Vi muitos comentários nas redes sociais dizendo que os estudantes tinham que passar a pagar pelas passagens, mas estamos querendo ensino. Nós nos locovemos entre cidades a fim de um conhecimento melhor, uma escola de qualidade e uma universidade pública. Estamos atrás do futuro”, diz, indignado com a proposta.

Caso a gratuidade das passagens para estudantes seja suspensa, o aluno diz que não conseguirá seguir a vida acadêmica. Leonardo estagia na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), órgão que informou aos estagiários, por e-mail, que não reajustará o auxílio-transporte, mesmo com o aumento do preço das passagens no DF. Ele ganha R$ 6 de auxílio-transporte por dia estagiado. “Amigos meus se demitiram, por não terem condições de bancar. Recebemos R$ 520 e gastaríamos, no mínimo, cerca de R$ 300 com transporte. É muito difícil conseguir estágio e, sem estagiar, como pagar passagem? O governo deve atuar nessa área, garantir nosso acesso e não ser omisso”, pontua.

 

Arquivo pessoal

Entenda o passe livre no DF
Em Brasília, todos os estudantes da rede pública e da particular , dos ensinos fundamental, médio e superior podem andar de ônibus e metrô de graça um determinado tanto de vezes por dia, dependendo de onde o estudante mora e estuda. Os benefícios estudantis no Distrito Federal começaram em uma legislação em 1992, que garantia desconto de dois terços no valor da tarifa, e o abatimento era feito sem levar em conta a renda. Em 2006, foi apresentado um projeto de lei pelo então deputado distrital Paulo Tadeu, a fim de criar o passe livre estudantil a qualquer aluno, independentemente da situação financeira, porém a lei não foi aceita por ser vista como inconstitucional e perdeu validade no ano seguinte. Mas tudo mudou em 2009 quando o então governador José Roberto Arruda propôs um novo texto, que foi aprovado e perdura até hoje (Lei nº 4.462/2010). Gestões posteriores tentaram barrar a medida, como a de Rogério Rosso, que quis inserir critérios sociais na legislação, mas a Câmara Legislativa do DF manteve o benefício a todos.

Fonte: CorreioBrasiliense

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