A PEC Nº 32/2020 E O DESMANTELAMENTO DO ESTADO – CONCEPÇÕES DE CARGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS

A PEC Nº 32/2020 E O DESMANTELAMENTO DO ESTADO

Por meio de uma série de textos, o SAE-DF leva à sua base e à sociedade em geral, informações e esclarecimentos acerca da Proposta de Emenda à Constituição nº 32, de 3 de setembro de 2020 – PEC 32/2020, que pretende promover a chamada “reforma administrativa”.

TEXTO 1 – CONCEPÇÕES DE CARGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS

Síntese das regras atuais

Para funcionamento da estrutura administrativa do Estado Brasileiro, além de cargos eletivos, na  redação atual da Constituição Federal há previsão de cargos públicos e empregos públicos, cujo acesso se dá por meio de concurso público e funções de confiança e cargos em comissão de livre nomeação e exoneração.

Cargo público, de acordo com o regime estatutário federal, é conceituado como sendo um conjunto de atribuições e responsabilidades a ser cometidas a um servidor público. São os cargos submetidos ao regime jurídico único, ou seja, ao regime estatutário.

O emprego público, por sua vez, diz respeito ao serviço realizado junto a empresas de economia mista ou empresas públicas como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. São, portanto, cargos públicos submetidos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ou seja, ao regime celetista.

As funções de confiança e os cargos em comissão são destinados às atividades de chefia, direção e assessoramento. Pelas regras constitucionais atuais, as funções de confiança somente podem ser ocupadas por servidores ocupantes de cargos públicos efetivos. E os cargos em comissão devem ser compostos de acordo com percentuais mínimos a serem ocupados também por servidores efetivos.

A PEC nº 32/2020 pretende alterar tudo isso e constitucionalizar muitas matérias hoje tratadas na legislação infraconstitucional, vejamos:

As alterações propostas pelo governo

A PEC nº 32/2020 propõe a substituição do conceito de funções públicas por vínculos públicos e novas espécies de cargos públicos, quais sejam: cargo público com vínculo por prazo indeterminado, cargo público típico de Estado, estes com acesso mediante concurso público e períodos mínimos de experiência, e cargos públicos de liderança e assessoramento no. Além disso, a proposta pretende inserir no texto constitucional contratação de pessoal por prazo determinado.

Ao que tudo indica, a inclusão do conceito de vínculos públicos sem lugar de funções públicas e essas novas nomenclaturas de cargos públicos têm por propósito, ainda que implícito, oferecer a prestação de serviços públicos à exploração de outros atores que não estariam no exercício de funções públicas, mesmo prestando serviços públicos.

Nossa análise: objetivos explícitos e implícitos

Quanto à criação do cargo público com vínculo por prazo indeterminado, o propósito mais explícito é resgatar a tentativa realizada em 1998 pelo Governo FHC (PSDB), que pretendeu por fim ao regime jurídico único e às carreiras, o que não prosperou por conta da reação do PT e de outros partidos de esquerda no ano 2000 por meio de ações junto ao STF, e, mais adiante, pela derrota eleitoral daquele projeto em 2002.

Assim, por meio de cargos com vínculo por prazo indeterminado e, portanto, sem previsão de estabilidade, de um lado, a proposta inviabiliza os direitos assegurados a todos os servidores indistintamente, como é o caso de adicionais, licenças, afastamentos, entre outros próprios do regime jurídico único e, por outro lado, rompe com os direitos específicos de cada carreira ou de cada servidos baseados nas progressões por tempo de serviço, nível de formação, titulação, aperfeiçoamento e atualização profissional, entre outros mecanismos evolutivos previstos na organização em carreiras.

Relativamente à supressão das funções de confiança, a medida abre espaço para o exercício de serviços públicos próprios dessas funções a pessoas que não sejam servidores públicos efetivos.

Já a criação de cargos de liderança e assessoramento, na forma proposta, elimina a exigência de fixação de percentuais mínimos de cargos de chefia, assessoramento e direção ocupados por servidores efetivos conforme previsto no texto atual.

Diante dessa situação, vê-se que as medidas presentes na PEC, quando se trata de concepção de cargos públicos e funções públicas, ainda que implicitamente, alinham-se à política de estado mínimo, o que não prosperou em país nenhum do mundo nos moldes ora propostos, até por que não passa de uma falácia.

Ora, sob qualquer visão política, certo é que os serviços públicos não poderão deixar de ser ofertados ao povo. Logo, com a exploração do serviço público pelo setor privado, o Estado não passaria a ser mínimo. Na verdade, apenas os serviços públicos passariam a ser ofertados pelo setor privado. Então, duas possibilidades se apresentam para ocupar o lugar do estado no todo ou em parte: a possibilidade de privatizações, com a exploração dos serviços públicos diretamente por empresas privadas e a terceirização de serviços públicos mediante pagamento a empresas de terceirização. Obviamente, isso não significa que o Estado diminuiria de tamanho, mas sim de capacidade ofertar serviços públicos de maneira mais abrangente.

Isso se explica pelo fato de que o setor privado orienta seus investimentos pela lógica do lucro e assim tende a uma conduta excludente. No caso da exploração direta de serviços públicos por empresas privadas, isso pode inviabilizar o acesso de grande parte da população a serviços públicos essenciais, principalmente das pessoas de baixa renda.

Já no caso das empresas de terceirização, o projeto pode acentuar a confusão entre os interesses públicos e privados. Obviamente, as lideranças políticas ligadas ao setor privado, inclusive das empresas de terceirização, terão bem mais espaços do que já têm em busca de benefícios econômicos e financeiros e, por outro lado, essas lideranças, valendo-se do estado de subalternidade que passarão a ter os trabalhadores, irão compor uma base eleitoral cada vez mais submissa, passiva e conivente.

Não há como não entender que, em sendo aprovada, a proposta dará margem a influências econômicas, políticas e partidárias na composição da força de trabalho no setor público e, por conseguinte, a vícios eleitorais dignos dos tempos do coronelismo no Brasil, pois o acesso a muitas funções públicas ficará sujeito a vínculos pessoais determinados por interesses diversos do interesse público.

Por essas razões, o SAE-DF, ao entendimento de que a proposta tem potencial para promover o desmantelamento do Estado, desvalorizar e precarizar os serviços públicos, com fortes ataques aos servidores públicos, posiciona-se contra às concepções de cargos e funções públicas trazidas pela PEC nº 32/2020.

O momento, portanto, é de intensificação da luta contra a aprovação da PEC nº 32/2020.

Vamos à luta!

Ediram Oliveira

Secretário de Formação Sindical e Qualificação Profissional do SAE-DF

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