PEC DA BLINDAGEM: QUANDO A LEI PROTEGE OS PODEROSOS, QUEM PROTEGE O POVO?

Enquanto a blindagem avança, pautas como a isenção do IR seguem travadas no Congresso

A recente aprovação da chamada PEC da Blindagem, na Câmara dos Deputados, que altera as regras de responsabilização penal de parlamentares, é mais do que um movimento legislativo isolado: representa um retorno inquietante a práticas que a sociedade brasileira já havia superado, ao menos no papel. A proposta, que teve votos favoráveis de cinco deputados federais do Distrito Federal, recoloca o legislativo em um papel que a história recente nos ensinou a tratar com cautela  o de juiz de si mesmo.

A eventual promulgação da PEC da Blindagem pode ainda abrir caminho para um efeito cascata. Assembleias legislativas e câmaras municipais, amparadas por suas autonomias locais, podem se sentir autorizadas a replicar a lógica da blindagem institucional, criando versões próprias de proteção a seus membros. O risco é de institucionalizar a impunidade em todos os níveis da federação, dificultando investigações, processos e punições justamente nos espaços onde a fiscalização já é mais frágil. A democracia não resiste à repetição desse modelo sem consequências sérias para o interesse público.

Recentemente, o deputado estadual do Rio de Janeiro conhecido como TH Jóias foi alvo de operações policiais por suspeitas graves de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e ligação com facções criminosas, além de uso de loja de franquia para movimentações financeiras incompatíveis com a atividade declarada.

Esse caso ilustra o potencial perigo de que parlamentares investigados ou denunciados usem das prerrogativas que a Blindagem pretende garantir, para escapar de processos ou atrasar investigações.

Se a PEC entrar em vigor, casos como o de TH Jóias servirão como precedentes perigosos. Prerrogativas como autorização parlamentar para processos ou prisões poderão se tornar escudo legal para quem estiver sob investigação ou tinha histórico de acusações sérias. A sociedade precisa estar atenta e exigir que o aparato legal nunca seja usado como cobertura para crimes, porque cada novo caso de impunidade mina a confiança pública e enfraquece os valores democráticos.

O texto aprovado impõe que prisões só ocorram em flagrante e por crimes expressamente listados como inafiançáveis, como racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo e os definidos como crimes hediondos. A restrição afasta a possibilidade de prisão imediata em casos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros delitos associados ao exercício do mandato parlamentar.

Até 2001, a Constituição permitia que o Parlamento impedisse investigações ou mesmo anulasse prisões de seus membros, por meio de votações secretas. Esse poder foi drasticamente reduzido após escândalos políticos que abalaram a confiança pública nas instituições. Em 2000, por exemplo, o então senador Luiz Estevão teve o mandato cassado após envolvimento no caso do TRT de São Paulo, mas somente após intensa pressão popular e mesmo assim em votação secreta. No mesmo período, a Câmara arquivou, também em sessão secreta, processos contra parlamentares acusados de envolvimento com o escândalo dos anões do orçamento. Casos como esses evidenciaram o quanto o voto secreto podia funcionar como escudo para a impunidade.

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No Distrito Federal, onde se concentra o centro do poder, os reflexos são imediatos. Parlamentares que dizem representar os interesses da população  como Alberto Fraga, Bia Kicis, Fred Linhares, Julio César Ribeiro e Rafael Prudente  votaram a favor da proposta. O gesto contrasta com as pautas urgentes da capital: escolas com infraestrutura precária, serviços públicos sob pressão e servidores que aguardam valorização. Ao priorizar a autoproteção, esses deputados escolheram uma pauta que não constava nos anseios populares. Escolheram a si mesmos.

As consequências não param por aí. Em um contexto em que o Supremo Tribunal Federal analisa os desdobramentos do chamado orçamento secreto, a PEC da Blindagem cria uma atmosfera de permissividade institucional. Em voto recente, o ministro Flávio Dino ressaltou como práticas de desvio orçamentário podem se camuflar sob o manto da legalidade quando há falta de transparência e controle externo. Dar ao Parlamento a prerrogativa de autorizar, barrar ou retardar investigações é escancarar a porta para o uso político da impunidade.

Há ainda outro risco pouco debatido: o da infiltração do crime organizado nas estruturas legislativas. Ao dificultar a responsabilização penal de parlamentares, a PEC pode servir de escudo para atores que veem na política um canal para ampliar seus negócios ilícitos. Sem instrumentos eficazes de controle, o mandato vira blindagem. E a impunidade, moeda de troca.

É por isso que o SAE-DF se soma às vozes que denunciam esse retrocesso. Não se trata de uma discussão meramente ideológica, como defendem alguns. Trata-se de um alerta concreto sobre o risco de se institucionalizar a desigualdade jurídica e enfraquecer os instrumentos de controle democrático. O compromisso do sindicato é com a ética pública, a transparência e a responsabilidade institucional. A democracia não pode ser garantida apenas com o voto. Ela precisa de freios, contrapesos e, acima de tudo, de coragem para dizer não aos atalhos da impunidade.

A população do DF merece representantes que se posicionem em defesa dos serviços públicos, da educação de qualidade e dos direitos dos trabalhadores  não de seus próprios privilégios. Ainda há tempo para o Senado reverter esse equívoco legislativo. Mas será preciso mais do que voto: será preciso compromisso com o país que ainda queremos construir.

Enquanto isso, pautas que de fato impactam a vida do cidadão seguem travadas ou relegadas a segundo plano. Um exemplo evidente é o projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. A proposta, que poderia aliviar o orçamento de milhões de famílias brasileiras, incluindo boa parte dos servidores da educação, entre eles os profissionais da Carreira de Políticas Públicas e Gestão Educacional (PPGE), aguarda votação definitiva no Congresso, apesar da urgência já aprovada. O contraste é explícito: quando se trata de garantir direitos para a maioria, o processo emperra; mas, quando o assunto envolve ampliar prerrogativas para os próprios parlamentares, o rito avança com rapidez incomum.

Diretoria Executiva SAE-DF

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